O PESCADOR AMARANTINO.

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Astrogildo nascera à margem do Rio Canindé, e sempre sobreviveu da pesca artesanal e da agricultura em regime familiar. Ao longo de sua vida, morou na comunidade “Mimbó”, zona rural do município de Amarante, tirava daquele Rio, o sustento do dia-a-dia; mas, com o passar do tempo, as chuvas se tornaram escassas, o rio diminuiu seu volume de água de forma exorbitante, e com isso, desapareceu sua fonte de alimento. Uma coisa ele tinha certeza: o próprio homem era o mentor daquele crime contra o Rio. Mesmo sem ter um grau de instrução, ele possuía um conhecimento empírico e sabia que a natureza estava dando uma resposta às inúmeras agressões provocadas pelo ser humano.

Reclamava e dizia que: -- Outrora o Rio tinha seu curso de água perene, o que foi diminuindo com o passar dos anos. Naquele lugar não existia outra forma de sobrevivência, as chuvas eram inconstantes, o que causava um desequilíbrio natural ao meio ambiente, não podendo, os habitantes daquela comunidade, sobreviverem da agricultura, pecuária e muito menos da pesca. Durante noites e noites sem dormir, em profundo dilema, refletiu em como manteria sua prole viva, em razão da falta de alimentos.

Um belo dia, no mês de janeiro, ele acordou e se lembrou do sonho que havia se manifestado durante o período noturno. Uma visão lhe havia aparecido, tal como  uma realidade visível, e foi naquele sonho que alguém lhe mostrou o caminho natural para que o mesmo deixasse o “Mimbó”, e fosse  morar às margens do Rio Parnaíba, em uma cidade onde existia um restaurante que andava sobre a superfície da água sem conseguir ser engolfado pela mesma. Diante daquela visão oculta, apareceram outras torturas psicológicas, e o simples pescador procurava descobrir onde poderia encontrar o restaurante que palmilhava sobre as águas, sem adentrar no abismo da mesma, mas, não sabia como localizá-lo.

Após meses de delongas consumações do sonho, encontrou um amigo, a quem propagou sua visão, foi quando o amigo, de forma estarrecida, disse-lhe que conhecia na cidade de Floriano, um restaurante ao qual chamou de taberna, sendo que no referido espaço as pessoas bebiam, alimentavam-se, e podiam fitar as águas do Rio Parnaíba, era um lugar muito interessante e embaixo do restaurante existiam inúmeras espécies de peixes, que lá ficavam dia e noite esperando restos de alimentos que eram jogados diariamente nas águas do rio.

O amigo então detalhou as principais características do Flutuante, afirmando que o mesmo era feito de madeira e coberto de palha de carnaúba, mas não sabia como referido restaurante ficava na superfície da água sem conseguir afundar-se.

Astrogildo, diante da síntese descrita pelo amigo, não teve nenhuma dúvida que o seu sonho estava prestes a ser consumado, pois o restaurante visto por ele quando dormia de fato existia. Diante da concretização de uma realidade,  direcionou-se à sua residência e comunicou à sua esposa e seus doze filhos menores que no dia seguinte iria vender seus únicos bens materiais existentes: 01(um) asno, 05(cinco) galináceos e a roça plantada com mandioca, e passaria a  fixar residência à margem do Rio Parnaíba, na cidade de Floriano, pois, segundo ele,  seu destino teria sido traçado naquele sonho, relatando, para a família, que o Rio Parnaíba não iria secar, no entanto, num tom de voz triste e com a fisionomia  abatida, ele se contradizia, afirmando que, um dia, ele poderá secar, pois já existe uma barragem chamada Boa Esperança, que atrapalha o caminho natural da evolução do curso da água e da vida dos peixes, e futuramente o homem, como destruidor da natureza e da própria vida, poderá construir outras barragens ao longo do rio, e isso acontecendo, cessará a vida animal nas bordas do Rio Parnaíba.

Por outro lado, aquele homem tão sofrido, diante dos caminhos invertidos que a vida lhe oferecera, nunca havia freqüentado uma escola, mas, era uma pessoa boa, e possuía uma educação moldada pelo próprio destino. Ele dizia que em seu âmago existiam visões do além, coisas agregadas no seu interior que só o coração sabia explicar de forma minuciosa.

A idéia de morar na cidade de Floriano, às margens do Rio Parnaíba, não foi bem aceita pela esposa e os filhos, mas, afinal de contas, eles não poderiam contrariar aquela criatura,  e aceitaram como um fato corriqueiro, além do mais, ele  sempre dizia que suas visões eram uma luz  divina, e sendo assim, não poderiam deixar de ser acatadas.

No dia seguinte conseguiu vender seus bens materiais e conjuntamente com a família, vieram morar em Floriano,  construindo  uma casinha de taipa a mil metros de distancia do referido restaurante. Em visita ao Restaurante Flutuante, Astrogildo, a esposa e os doze filhos, passaram horas e horas boquiabertos, admirados acerca do que segurava aquele restaurante, não deixando o mesmo afundar-se, até que ele, um cidadão pescador e rurícola,  aproximou-se do proprietário do restaurante e perguntou como eram feitos os pés do referido restaurante que não deixavam o mesmo mergulhar na água? Respondeu o proprietário: -- Toda essa estrutura se mantém, porque estão sobre vários tambores e os cabos de aço seguram o restaurante, não deixando a correnteza de água levá-lo rio abaixo. Foi a mesma coisa que não dizer nada, ou simplesmente dizer que a água não molha e o fogo não queima; Astrogildo não entendeu; mas, também diante de tanta timidez e de sempre viver espezinhado na vida, nada voltou a perguntar, ficou inerte procurando uma resposta na sua cabeça.       

Depois de tanto tempo, estagnado espiando o Rio de forma incessante, voltou-se para o proprietário do restaurante e perguntou: -- Senhor, eu poderia pescar próximo ao seu estabelecimento comercial? O mesmo respondeu de forma positiva, e diante daquele ato, aquele humilde ser não conteve suas lagrimas,  cairam sobre suas mãos calejadas do árduo trabalho. Depois, de alguns minutos de profundos suspiros ele agradeceu ao proprietário, e no dia seguinte começou a retirar do Rio a base de sua alimentação, só então, veio a descobrir que os peixes se aglomeravam embaixo do Restaurante Flutuante, em razão dos restos de alimentos que lá eram lançados. Esse fato mudou a vida de Astrogildo, ele passou a enxergar que o dom de Deus, pode ser encontrado em qualquer ser humano de bom coração e a vida é uma engrenagem, onde uma esfera sempre dependerá de outra; nem um ser é superior a outro, somos apenas  instrumentos inacabados, iguais aos símbolos químicos da água; onde uma grota depende do riacho, o riacho  depende do rio e o rio depende do mar, e assim sucessivamente; uma vez que o ser humano  precisa de tudo que existe na natureza, inclusive do seu próprio semelhante, para dar continuidade ao fado da vida.          

                                                 josé osorio filho

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