ESPERANÇA GARCIA
(Uma reescritura da “Carta” da escrava Esperança Garcia)
Brasil,
meu Brasil Negro.
Sou Esperança Garcia do Piauí:
escrava da fazenda Algodões da Coroa de Portugal,
casada e mãe de dois flhos.
A escola é maçã proibida para
escravos:
de cada cem ou mil,
um de nós sabe ler ou escrever.
Sei ler e escrever,
coisa rara entre nós da escravaria.
Escrevi a “Carta” de 6 de setembro de 1770,
escrevi a “Carta” ao Governador da Capitania
do Piauí.
Contei-lhe as trapaças e as perversidades
do administrador das fazendas reais,
contei-lhe das “trovoadas de pancadas”
contra o meu flho,
um menino de três anos de idade
que chegou a sangrar pela boca.
O administrador me tirou de perto
dos meus flhos e do meu marido.
Ele me confnou na casa dele.
Sou um “colchão de pancadas”,
uma vez caí do sobrado, rolei escada
abaixo,
quase morri:
eu estava peada feito bicho brabo.
Escrevi ao Governador sobre a peia,
o chicote, as humilhações
contra mim e parceiros de
escravidão
da Inspeção de Nazaré do Piauí,
e fugi com os meus flhos:
um de sete meses,
ainda de colo,
e o outro de três anos.