Esperança Garcia (Reescritura da “Carta” da escrava Esperança Garcia)

Carta da escravizada Esperança Garcia (1770) ao Governador da Capitania do Piauí

Foto: Dino Alves
Esperança Garcia em fuga com os dois filhos". Desenho de Dino Alves.

ESPERANÇA GARCIA
(Uma reescritura da “Carta” da escrava Esperança Garcia)

Brasil,
meu Brasil Negro.
Sou Esperança Garcia do Piauí:
escrava da fazenda Algodões da Coroa de Portugal,
casada e mãe de dois flhos.
A escola é maçã proibida para
escravos:
de cada cem ou mil,
um de nós sabe ler ou escrever.

Sei ler e escrever,
coisa rara entre nós da escravaria.
Escrevi a “Carta” de 6 de setembro de 1770,
escrevi a “Carta” ao Governador da Capitania
do Piauí.
Contei-lhe as trapaças e as perversidades
do administrador das fazendas reais,
contei-lhe das “trovoadas de pancadas”
contra o meu flho,
um menino de três anos de idade
que chegou a sangrar pela boca.

O administrador me tirou de perto
dos meus flhos e do meu marido.
Ele me confnou na casa dele.
Sou um “colchão de pancadas”,
uma vez caí do sobrado, rolei escada
abaixo,
quase morri:
eu estava peada feito bicho brabo.

Escrevi ao Governador sobre a peia,
o chicote, as humilhações
contra mim e parceiros de
escravidão
da Inspeção de Nazaré do Piauí,
e fugi com os meus flhos:
um de sete meses,
ainda de colo,
e o outro de três anos.

Foto: Francira Ricarte
Expedito Pereira (proprietário da terra, descendente de Esperança Garcia) e Elio Ferreira, o pesquisador. Local da antiga casa da Fazenda dos Algodões, onde viveu Esperança Garcia. Nazaré do Piauí, Brasil.

Foto: Francira Ricarte
Expedito Pereira (proprietário da terra, descendente de Esperança Garcia) e Elio Ferreira, o pesquisador. Local da antiga casa da Fazenda dos Algodões, onde viveu Esperança Garcia. Nazaré do Piauí, Brasil.

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